Micro-ARN

O micro-ARN ou miARN (em inglês: miRNAs) é um ARN monocatenário, com um comprimento de entre 21 e 25 nucleótidos, cuja principal função é atuar como silenciadores pós-transcricionais, pois pareiam-se com mRNAs específicos e regulam sua estabilidade e tradução. São pequenos RNAs não codificantes. Cada miRNA pode ter centenas ou milhares de alvos, e um mRNA pode ser inibido por diferentes miRNA. [1] Foram pela primeira vez descritos em 1993, por Lee e colaboradores no laboratório de Victor Ambros,[2] no entanto, só em 2001 é que o termo "microARN" foi cunhado, ano em que apareceu num conjunto de três artigos publicados em Science (26 outubro de 2001).[3] Hoje os bancos de dados apresentam em torno de 2000 microRNAs com suas funções bem estabelecidas.[4]

Aspectos Gerais

RNAs não codificantes (ou ncRNA, do inglês non coding RNAs) são moléculas transcritas a partir do genoma e não traduzidas em polipeptídeos, permanecendo geralmente no núcleo da célula, onde exercem sua função principal de regulação da expressão gênica tanto transcricional como pós-transcricional. A interferência por moléculas de RNAs não codificantes que atuam transcricionalmente é considerado um mecanismo epigenético, isto é, uma mudança estável e herdável da expressão gênica ou do fenótipo celular sem que haja alterações na sequência de bases do material genético. [5][6]

NcRNApodem ser divididos em três grandes grupos, em função de seu tamanho. Os doisprimeiros correspondem às moléculas bem conservadas entre as espécies, sendoeles (1) MicroRNA (ou miRNA) e RNA de interferência (ou siRNA, do inglês Small interfering RNA) e (2)RNA nucleolares pequenos (ou snoRNA, do inglês small nucleolar RNAs), com tamanhos entre aproximadamente 20 a 30 e60 a 300 nucleotídeos, respectivamente. O terceiro grupo é representado pelos (3)RNAs longos não codificantes, com pouca conservação e comprimento médio de 2mil pares de bases. Outros critérios como origem, estrutura, proteínas efetorasassociadas e função biológica reduzem os limites entre os grupos de ncRNA edificultam sua classificação. Apesar de miRNA e siRNA constituírem um únicogrupo de ncRNA em função de seu tamanho, estrutura, biogênese e mecanismo deação semelhantes e ampla distribuição filogenética e fisiológica, eles podemser diferenciados principalmente em função e por sua origem: enquanto os miRNAsão tidos como endógenos, ou seja, como produtos do genoma do próprioorganismo, os siRNA são considerados primariamente de origem exógena, sendoderivados diretamente de vírus, transposons ou transgenes. [5][6][7]

OsmiRNAs são pequenas moléculas endógenas de ácido ribonucleico (RNA), não codificantes,com cerca de 22 nucleotídeos (nt), que atuam como reguladores da expressãogênica em plantas e animais, ao nível pós-transcricional através da clivagem deum RNA mensageiro (mRNA) alvo ou da repressão da tradução. [7]

Oprimeiro miRNA, lin-4, foi descrito em 1993 pelo grupo de Rosalind Leeassociado à regulação do desenvolvimento larval de Caenorhabditis elegans (C.elegans). lin-4 regulava negativamente o nível da proteína LIN-14(da primeira fase larvar), criando uma diminuição da expressão da mesma aolongo do tempo. Sete anos após a descrição de lin-4, ocorreu adescoberta do segundo miRNA, let-7, também no mesmo organismo modelo.Verificou-se que este miRNA atuava ao nível pós-transcricional e apresentavacomplementaridade parcial com a região 3’ não traduzida (3’-UTR) do mRNA LIN-41.[6][8][9]

A existênciade genes homólogos no genoma humano, de Drosophilae de outros doze animais bilaterais, permitiu supor que os miRNAs seriam umaclasse com funções reguladoras amplas em muitas espécies diferentes.Inicialmente foram denominados como RNAs temporais pequenos (ou stRNA, doinglês small temporal RNAs) devido aoseu papel em etapas do desenvolvimento embrionário de C. Elegans. O termo microRNA só foi cunhado em 2001 em trêstrabalhos publicados simultaneamente na revista científica Science. Nesta ocasião, os autores descreveram, no total, mais decem novos genes de miRNA em vertebrados e invertebrados e de forma geral osconsideraram amplamente conservados entre as espécies estudadas (humanos, Drosophilae e Caenorhabditis). Entretanto, notaram que estes novos miRNAs nãonecessariamente eram expressos em diferentes momentos do desenvolvimentoembrionário, mas principalmente que eram expressos por diferentes tiposcelulares de uma espécie. Desde então, uma série de novos trabalhos utilizandotécnicas de clonagem revelaram numerosos novos genes para miRNAs em mamíferos,peixes, helmintos, insetos e plantas. Com isso, a necessidade de catalogar ainformação e facilitar a atribuição de nomes a novos miRNA levou ao desenvolvimentode um banco de dados de microRNA – o miRNA Registry, atualmente conhecido comomiRBase. [8][9][10][11]

Até 2014, mais de 17000 sequências de miRNAs em mais de 140 espécies diferentes foram catalogadas no miRBase (http://www.mirbase.org/), número este que tem aumentado exponencialmente, e nos últimos três anos quase triplicou e em 2021 temos 14.000 só para humanos sendo que apenas para 2.000 se distinguiu as funções/ações inibitorias. [11]

Emdiversas espécies, a distribuição dos genes de miRNA predomina em regiõesrelativamente distantes de genes previamente anotados, sugerindo que elesderivam de unidades de transcrição independentes. Por outro lado, uma minoriasignificativa destes miRNA tem suas sequências codificadas em íntrons depré-mRNA, não possuindo um promotor próprio. Nestes casos, é esperada umaexpressão coordenada de um miRNA e uma proteína derivados do mesmo pré-mRNA,compondo um cenário de regulação mais simplificado. Contudo, se coexpressos,tanto o mRNA quanto o miRNA teriam a mesma orientação, o que não se observa naprática. Em outras palavras, o que de fato acontece, pelo menos em C. elegans, é a expressão independentedos miRNAs de regiões intrônicas em relação aos mRNA previstos. [6][7]

Um grandequestionamento entre os especialistas em miRNA é a demora para sua descoberta,uma vez que a resposta definitivamente não está na raridade destas moléculas.Pelo contrário, os miRNA e proteínas associadas são aparentemente um doscomplexos ribonucleoproteicos mais abundantes da célula. Assim, alguns autoressugerem dificuldades técnicas de transcriptômica, como a clonagem não otimizadapara capturar miRNA, enquanto outros apontam para aspectos da estrutura destasmoléculas, como a falta de um quadro aberto de leitura (ou ORF, do inglês open reading frame) que permitisseidentificar um candidato a gene. Várias hipóteses existem, mas nenhuma ainda responde satisfatoriamente esta questão. [6][7]

Meios de comunicação entre Células

"descobriu-se que os miRNAs circulantes são diferencialmente expressos em várias doenças humanas. Essas descobertas começaram a nos fazer entender como as células usam miRNAs como moléculas de comunicação no sofisticado diálogo entre elas."[12]

Eixo microRNAs-Microbioma

Estudos demonstraram que a função miRNA fecal está relacionado à formação da microbiota intestinal e à influência do metabolismo bacteriano[13] "Devido à sua função moduladora, os miRNAs circulantes e particularmente fecais surgiram como uma ferramenta poderosa para o diagnóstico de doenças e o desenvolvimento de estratégias terapêuticas baseadas em miRNAs."

Biogênese dos microRNAs

A maioria dos genes transcritos em miRNAs selocaliza em regiões intergênicas e estão organizados de forma isolada emplantas, C. elegans e humanos,sugerindo que são transcritos a partir de unidades transcricionaisindependentes. [14][15][16][17] [18] Outros miRNAs estão agrupados no genoma emum arranjo e possuem um padrão de expressão que produz um miRNA primário(pri-miRNA) “policistrônico”, capaz de gerar vários miRNAs distintos após afinalização do processamento. [14][15] Em Drosophila mais da metade desses genesestá organizada em clusters. [19] Os miRNAs também podem ser processados porsequências de íntrons de genes codificantes de proteínas, o que compreendeaproximadamente 30% dos miRNAs. [20]

O número de genes que codificam miRNAsultrapassou 110 em C. elegans, 140 na mosca Drosophila melanogaster e 400 emseres humanos, representando cerca de 1% a 2% do número de genescodificadores de proteínas nessas respectivas espécies. [21][22][23] Em funçãodo número de genes transcritos em miRNAs já conhecidos e dos diferentes padrõesde expressão estabelecidos por estudos de transcriptômica propõe-se que, cadatipo celular tenha um perfil distinto de expressão de miRNA em uma determinadaetapa do desenvolvimento embrionário ou tecidual. Esse perfil é resultado daexpressão ou não de certas moléculas, como também da abundância destas num dadomomento. [6]

De forma geral, a maioria dos genes de miRNAsão transcritos pela RNA polimerase II (RNA pol II) no núcleo em miRNAsprimários (pri-miRNAs). Individualmente, um pri-miRNA pode produzir umúnico miRNA ou conter grupos de dois ou mais miRNAs que são processados apartir de um transcrito primário comum. Esses longos pri-miRNA são clivados porum complexo que abrange a enzima RNAse III de cadeia dupla (DROSHA) e seucofator essencial, a proteína de ligação DGCR8 (DiGeorge Syndrome CriticalRegion 8 protein) em mamíferos.[20] A DROSHA contém dois domínios de RNAseIII, cada qual cliva uma fita do RNA resultando no microRNA precursor(pré-miRNA) com cerca de 70 pares de base, que contém um trecho de fita dupla euma alça de fita simples, formando uma estrutura em grampo. O pré-miRNA éexportado para o citoplasma pela proteína exportina-5 (XPO-5), onde é clivadopela DICER1, uma RNAse III que avalia as extremidades 3’ e 5’ do pré-miRNA,gerando um miRNA maduro com cerca de 22 nucleotídeos. Oprocessamento do pré-miRNA pela Dicer promove o desenrolamento do duplex de RNAem forma de grampo. Geralmente, apenas uma fita é incorporada no RNP (fitaguia), sendo que a seleção da fita depende da sua instabilidade termodinâmica eda fragilidade do pareamento de bases em relação à outra cadeia. A posição naformação do grampo também pode influenciar na escolha da fita.[24][25] A outrafita, chamada fita passageira, é indicada com um asterisco (*) e é normalmentedegradada. Em alguns casos ambas as cadeias do duplex são viáveis e ambas se tornammiRNAs funcionais que tem como alvo populações de mRNA diferentes.[26]

A DICER1 se associa com a proteína TRBP(transactivation responsive RNA binding protein, também chamada de TRBP2), quese liga ao RNA dupla-fita (dsRNA). A TRBP também liga fisicamente à DICER1 comas proteínas Argonautas (AGO1, AGO2, AGO3 ou AGO4, por exemplo) na montagem docomplexo ribonucleoproteico (RNP). [20][27] O RNP procura pelos mRNAs alvoatravés da busca de sequências nucleotídicas complementares usando uma dasfitas do microRNA como molde. [28] As proteínas denominadas Argonautas sãocompostas por dois domínios, o PAZ que pode se ligar à porção 3’ da fitasimples do miRNA maduro e o domínio PIWI que é estruturalmente semelhante aribonuclease-H e interage com porção 5’ da fita guia. Esses domínios se ligamao miRNA maduro e orientam a interação com o mRNA alvo. [29]

Uma fita do miRNA maduro (fita guia) é entãoligada por uma Argonauta e retida no RNP guiando o complexo ao mRNA alvo nosilenciamento gênico pós-transcricional. Esse passo ocorre nos corpos deprocessamento (p-bodies), que são estruturas citoplasmáticas envolvidas nocontrole da expressão gênica pós-transcricional. Esse controle regula arenovação de mRNA, bem como a remoção de RNA anormais e com mutações semsentido. A formação dos p-bodies parece depender de proteínas específicas eRNA, em particular, miRNAs. [30]

Biogênese em plantas

Os miRNAs de plantas geralmente têm umpareamento quase que perfeito com seus mRNA alvos e induzem repressão do gene através da clivagem dos transcritos-alvo.[31] A biogênese dos miRNAs emplantas difere da biogênese dos animais principalmente nas etapas deprocessamento e exportação. Ao invés de ser clivado pelas duas enzimas, umadentro e outra fora do núcleo, ambas as clivagens do miRNA nas plantas sãorealizadas por uma proteína homóloga a Dicer chamada Dicer-like1 (DL1).  DL1 é expressa somente no núcleo celular deplantas, indicando que ambas as reações acontecem dentro do núcleo. Antes docomplexo dsmiRNA (duplex) ser transportado para fora do núcleo sua extremidade3’ é metilada por uma RNA metiltransferase chamada HEN1 (Hua-Enhancer 1). Estecomplexo é então transportado para o citoplasma por uma proteína chamada HST(Hasty), uma homóloga da XPO-5, onde eles se desmontam e o miRNA maduro é entãoincorporado no RNP.[32]

Função dos microRNAs

OsmiRNAs têm como principal função regular os genes e o genoma, silenciando-os deforma geral, o que pode levar a um aumento ou diminuição na expressão de umgene ou, inclusive, de uma proteína que atua em uma via de sinalização para umdeterminado contexto celular.[33] Essa regulação pode ocorrer em vários níveisda função gênica, podendo interferir na estruturação da cromatina, no rearranjocromossomal, em fenômenos de metilação do DNA ou das histonas, na transcrição(por exemplo, no silenciamento de genes promotores), no processamento eestabilidade do RNA e na tradução. [34][35] Neste sentido, os miRNA podem serchamados de RNA de interferência (RNAi).

Basicamente, a identificação do genea ser silenciado se dá pelo pareamento de bases complementares com o miRNAespecífico para o mesmo. Portanto, pode-se dizer que esse silenciamento podeser reprogramável. Cada situação exige um diferente padrão de expressão gênica,desta forma, a maquinaria de silenciamento pode ser redirecionada através daexpressão de novos miRNAs ou da remoção de antigos miRNAs. Assim, quando ogenoma se encontra diante de ameaças externas, como bactérias ou vírus, elepode expressar sequências de miRNAs, que são capazes de reprimir a expressão gênica,fazendo que o mesmo consiga responder à ameaça. [35]

Além do pareamento sincronizado domiRNA com o alvo, outros fatores também são importantes no processo de RNAi,como a atuação da família de proteínas argonautas e a Dicer, que atuam na biogênese e no auxílio do reconhecimento dosalvos pelo miRNA.[36] Por exemplo, a deficiência induzida de Dicer pode revelar outras funções dessaenzima, como no silenciamento transcricional de genes através da produção de siRNAsendógenos, sugerindo uma característica epigenética de adaptação. [33]

Já foram descritas várias famíliasde miRNAs, e cada um deles é capaz de atuar sozinho ou em conjunto com outrosmiRNAs na regulação de um gene. Devido à essa característica principal deregulação gênica, acredita-se que os miRNAs estão diretamente ligados àformação de tumores.

Foi descrito na literatura, porexemplo, que miRNAs estão diretamente envolvidos na regulação da proliferaçãocelular através da via do receptor do fator de crescimento epitelial (EGFR - Epitelial Growth Factor Receptor), queestá envolvido em vários tipos de câncer, como de pulmão, colo-retal, mama,dentre outros.[37][38][39] Neste caso, verificou-se que miR-124, miR-147 emiR-193-a-3p são essenciais na regulação do EGFR.[40] É importante ressaltarque não é apenas um miRNA específico que estará envolvido diretamente com umaproteína da via, mas que pode existir uma série de interações entre um único miRNA e vários alvos dentro deuma mesma via de sinalização e, ainda, vários miRNA podem ser  capazes de atuar em um mesmo alvo da via. [39][40] Diante dessas descobertas, uma nova alternativa terapêutica pode surgir aoutilizar esses miRNA para bloquear uma via específica na formação de tumores.

Os miRNAs também desempenham um papel essencial no desenvolvimento do controle e da resposta do sistema imune.Fatores como a remoção de genes responsáveis pela confecção da maquinaria demiRNA e a perda ou desregulação de alguns miRNAs comprometem o desenvolvimentoda resposta imune ao alterar componentes principais de vias funcionalmenteinterligadas, gerando desordens como doenças auto-imunes e câncer.[33] Porexemplo, através da inativação da Dicerem linfócitos T ou B de camundongos é possível demonstrar que os miRNAs sãocríticos para o processo de desenvolvimento e diferenciação dos linfócitos.[41]Para as células T afetadas pela deleção da Dicerem camundongos mutantes verificou-se a ocorrência de várias imunopatologias,como esplenomegalias, aumento no tamanho dos linfonodos intestinais e colites.[42]Ou seja, os miRNAs atuantes desta via são essenciais para a manutenção dahomeostasia e da função repressora das células T regulatórias.[33] Parareforçar essa hipótese, observou-se que quando ocorre uma deleção na Dicer e em Drosha verifica-se uma deficiência no fator Foxp3 que é essencialna diferenciação de células T regulatórias, sendo assim incompatível com a vida.[43][44][45]

Nos linfócitos B, aparentemente, osmiRNAs não afetam diretamente a recombinação V(D)J, essencial para a formaçãodo repertório de anticorpos. Porém, miRNAs estão envolvidos na diferenciaçãodestes linfócitos, em especial miR-17~92, que aparece como um regulador críticono desenvolvimento celular, envolvido especialmente na regulação de mecanismosapoptóticos ou divisão celular.[33]

Outros miRNAs sabidamente conhecidoscomo importantes na formação e regulação da imunidade inata e adaptativa sãomiR-155, miR-132 e miR-146, que aumentam seus níveis de expressão após estímulocom lipopolissacarídeo (LPS), um importante antígeno presente em bactériasGram-negativas. Esses miRNAs têm como alvos principais componentes davia de receptores Toll-like (TLR), que é ativada por LPS, sugerindo uma atuaçãopor feedback negativo desses miRNAs nessa via e no mecanismo da expansão dalinhagem mielocítica durante uma resposta inflamatória.[46] [47] Já miR-181aparenta estar diretamente envolvido no controle do limiar de ativação dereceptores de células T (TCR), devendo participar na regulação da respostaimune dependente de anticorpos.[48] [49] A deleção de miR-223 leva a um aumentode neutrófilos em infecções fúngicas, demonstrando um papel importante naformação da linhagem granulocítica e, consequentemente, na imunidade inata.[50]A remoção do miR-150 levou a um aumento nos níveis de células B do tipo B1, queestão diretamente envolvidas na defesa natural do organismo contra patógenos.[51]

A plasticidade apresentada pelosmiRNAs demonstram que são elementos muito importantes nas interaçõespatógeno-hospedeiro, especialmente no que diz respeito a infecções virais.Diversos vírus expressam miRNAs, consequentemente, possibilitando interaçõesentre os miRNAs e mRNAs do vírus e do hospedeiro.[52] Ao regular a expressãogênica, miRNAs virais podem ajudar os vírus a escapar da reposta imuneproduzida pelo hospedeiro. Por exemplo, miR-UL112 de citomegalovírus humano(HCMV) diminui a expressão de um ligante ativador de células NK presente nocomplexo de histocompatibilidade de classe I (MHC-I), impedindo assim a mortedas células infectadas com o vírus. [53] miRNAs codificados pelo vírus símio 40(SV40) se acumulam no estágio tardio da infecção e são perfeitamentecomplementares ao mRNA viral mais novo, fazendo uma diminuição da expressão dosantígenos virais que são detectados pelas células T citotóxicas, escapando dadetecção pelas mesmas [54], esse é um mecanismo também utilizado nos miRNAs expressospelo vírus herpes simples 1 (HSV-1), permitindo a manutenção desses vírus em umestado latente.[55]

Em contrapartida, miRNAs dohospedeiro também podem auxiliar na defesa antiviral. MiR-32, por exemplo,previne o acúmulo do vírus símio foamy(PFV-1) em células humanas, ao ter o genoma viral como alvo e causar uma inibiçãona tradução.[56] Alguns vírus transpassam essa defesa ao codificar proteínasque reprimem o silenciamento de RNA, através do sequestro de pequenos RNAs ouinterferindo na função de proteínas envolvidas no processamento de miRNA.[57]

Os vírus também podem se aproveitarde miRNAs do hospedeiro como forma de garantir sua sobrevivência. Um exemplomais clássico seria o de miR-122 e a infecção pelo vírus da hepatite C (HCV). MiR-122é um miRNA altamente expresso nos hepatócitos, basicamente funcionando como umregulador do metabolismo de ácidos graxos, e a replicação do HCV é dependenteda expressão desse miRNA.[58] A especificidade tecidual da expressão demiR-122 também garante a predileção do HCV por esse tipo celular.[59] Porém,esse mecanismo não é de todo mal, pois desta forma, miR-122 se classifica comoum candidato a alvo para o tratamento de HCV com o uso de um antagonistaanti-miR-122. [60]

Outros estudos apontam que os miRNAsdesempenham um papel importante na fisiologia do sistema cardiovascular e estãodiretamente ligados aos processos patogênicos do mesmo, especialmente poratuarem na regulação de cerca de 30% dos genes nucleares.[61][62][63] Como asproteínas, os RNAs são capazes de se translocar para a mitocôndria, o quetambém acontece com os miRNAs, especialmente miR-181c, que é transportado paraa mitocôndria de cardiomiócitos, regulando a expressão gênica mitocondrial e,consequentemente, afetando sua função.[64]

Aplicações terapêuticas

A fitoterapia tem sido citada em milhares de trabalhos ligados a miRNAs com diversasas aplicações como o uso de fitoterápicos contendo Mir específicos para câncer[65]

"O primeiro medicamento direcionado a miRNA, Miravirsen (Santaris Pharma, Dinamarca), Miravirsen é um oligonucleotídeo antisense que inibe o processamento mediado por DROSHA e DICER de precursores miR-122 que aumentam a transcrição do genoma do vírus da hepatite C (HCV)"[13] Outros medicamentos foram para câncer de tireoide (Interpace Diagnostic), o Miravirsen (produzido pela Roche / Santaris) concorre com RG-101 (produzido pela Regulus Therapeutics), e "são destinados ao tratamento da hepatite C".[66] Mas são usados como antiviral aplicando a várias doenças e tipos de câncer[67] "Lumasiran (Oxlumo ™) é um pequeno RNA interferente administrado por via subcutânea (siRNA) direcionado ao mRNA para o gene da hidroxiácido oxidase 1 ( HAO1; codifica glicolato oxidase) e foi desenvolvido pela Alnylam Pharmaceuticals para o tratamento da hiperoxalúria primária tipo 1 (PH1)"[68]

Há pouco mais de uma década surgiu uma revolucionária e promissora classe de agentes terapêuticos, os miRNAs, que produzem efeitos bem direcionados e específicos de inibir um mRNA através de alterações pós-transcricional. Estes oferecem a vantagem de serem altamente potentes e capazes de atuar em alvos inacessíveis a moléculas de fármacos convencionais. Antes eram vistos como simples RNAs não codificantes, mas com o avanço tecnológico da biologia molecular descobriu-se que alguns destes RNAs também auxiliam no controle da tradução e na regulação de genes. O potencial destes miRNAs como tratamento de diversas doenças infecciosas e do câncer tem elevado gradativamente.[69]

Os miRNAs possuem papéis importantes em indivíduos saudáveis, mas também estão associadosa uma gama de doenças como diabetes, doenças cardiovasculares, doençasneurológicas e diferentes tipos de câncer. O estudo dos miRNAs vempossibilitando o conhecimento da função de genes para determinar biomarcadoresde diagnóstico e preditores de resposta a tratamentos, que possam vir a ser candidatos a medicamentos e possibilitar estudos de doenças. [69]

Os miRNAs tem propriedades físico-química similares, mas com funções distintas, as sequências de miRNAs na maioria das vezes são completamente conservadas em múltiplas espécies de vertebrados, estas características do miRNAs os tornam de fácil manipulação e viáveis terapeuticamente. [69] Possuem muitos alvos dentro das células, as quais, permitem a modulação de vias inteiras em um estado de doença através de direcionamento terapêutico do miRNAs associados à doença.

Há duas formas que podem ser utilizadas para modular a atividade do miRNA:

  1. Restabelecer a função de um miRNA utilizando miRNAs de cadeia dupla sintéticos ou super expressão baseada em vetor viral. Cujo objetivo é conseguir as mesmas funções biológicas dos miRNAs endógenos. Os vetores virais são utilizados para transportar o miRNA terapêutico para dentro da célula de interesse, são modificados geneticamente tanto na remoção da virulência quanto no seu tropismo.[70] Utilização de dsRNAs sintéticas com modificações químicas para aumentar a estabilidade e a absorção celular, evitando a ligação do miRNA ao RISC prevenindo a sua rápida degradação .[71]
  2. Inibir a função de um miRNA usando oligonucletídeos antimiR quimicamente modificados. MiRNAs maduros podem ser inibidos usando miRNA complementar ou oligonucleotídeos antisenso, conhecidos como antimiRs e oncomiR (atuam como oncogenes). Um miRNA complementar é produzida por expressão transgênica de uma molécula de RNA complementar aos sítios de ligação do miRNA de interesse para bloquear a função de um miRNA alvo ou uma família de miRNA.[72] Para obter um eficiente silenciamento de um miRNA in vivo, o oligonucletídeo antimiR deve ser quimicamente modificado promovendo afinidade de ligação, bioestabilidade e propriedades farmacocinéticas. Uma vez que os níveis de expressão do miRNA variam dependendo do tipo celular, do tecido e das doenças, extensos estudos pré-clinicos são necessários para determinar o nível de inibição de uma miRNA alvo.  

Atualmente, a bioinformática é a ferramenta inicial para escolha de um miRNA como candidato de um novo fármaco.[20] Existem características necessárias que os miRNAs sintéticos devem tercomo por exemplo potência, especificidade ao mRNA alvo, evitando efeitos forado alvo, e estabilidade às nucleases. A resistência a nuclease é dada pelasubstituição do fosfodiéster (PO) pela fosforotioato (OS) na ligação dooligonucleotídeo antimiR. Um siRNA possui 19 – 21 nucleotídeos com alças (overhangs) no final 3’ com TT e UU, osquais são importantes para o reconhecimento pela maquinaria de RNAi. SequênciassiRNAs com 27 nucleotídeo aumenta a potência, porém sequência com mais de 30nucleotídeos pode ativar a via interferon.[73] A eficiência de umsilenciamento via siRNA está relacionada com a região do mRNA ao qual ele écomplementa e a  quantidade de G / C nasequência  que deve ser em torno de 30 e64%. [74]

Oprimeiro ensaio clínico de uma terapia utilizando siRNA foi iniciada em 2004,até o momento há 30 candidatos de siRNA em diferentes fases de ensaios clínicospara o tratamento de diferentes doenças. [74] Já oprimeiro ensaio clínico de um miRNA como fármaco iniciou em 2013. Os miRNAs podem ser utilizados como agentes terapêuticos para doenças complexas para umtratamento eficaz, que exige a modulação de várias vias, pois estes são capazesde inibir a expressão de uma série de genes alvos, que em geral trabalham em conjunto, como por exemplo o miR-155. Por outro lado, os siRNAs tem seupotencial limitado pela sua capacidade de ter um único gene específico.[75]

Quaseque 1/3 da terapia utilizando o siRNA ou miRNA em fase de ensaios clínicos sãodirecionados para o câncer. O primeiro miRNA como um oncogene é miR-155, edados recentes indicam que ele desempenha um papel crucial em diversosprocessos fisiológicos e patológicos, tais como a diferenciação hematopoiética,imunidade, inflamação, infecções virais, câncer, doenças cardiovasculares esíndrome de Down. [76] O MRX34 foi primeiro a entrar nos estudos clínicos naterapia de câncer projetado para fornecer miR-34 similar por formulação lipossomal,sendo indicado para câncer de fígado primário ou metástase de outros tumores nofígado. Este miR-34 está bem caracterizado como regulador da supressão tumoral.[77] O TargomiR também em fase de ensaios clínicos é indicado para mesoteliomamaligno da pleura e para câncer de pulmão de não pequenas células. O TargomiRsconsiste em três componentes similares ao miRNA-16, uma nanopartícula deentrega da droga e um anticorpo fator de crescimento como antiepidermal  para o direcionamento do farmaco.[78]

Empoucos anos estarão disponíveis uma gama de novos fármacos que utilizam estaestratégia terapêutica, inúmeros miRNA estão em fases de ensaios pré-clinicos eclínicos. Contudo, o perfil de segurança e eficácia será bem definido apósestudos clínicos adicionais e de longo prazo, a fim de identificar ou nãoeventos adversos.

microRNA em estudos terapêuticos  

  • miR-34 – terapia contra o câncer, possuem efeito de controlar a proliferação celular, ciclo celular e apoptose;
  • miR-33 – terapia da arteriosclerose, regulam o colesterol, ácidos graxos e triglicérides e induz a homeostase com a codificação de SREBP1 e SREBP2;
  • miR- 208 – tratamento de insuficiência cardíaca e diabetes;
  • miR-122 – tratamento da infecção pelo vírus da hepatite C. [69][79]

Referências