Devido processo legal

O devido processo legal (em inglês: due process of law) é um princípio legal proveniente do direito anglo-saxão (e, portanto, de um sistema diferente das tradições romanas ou romano-germanas), no qual algum ato praticado por autoridade, para ser considerado válido, eficaz e completo, deve seguir todas as etapas previstas em lei. É um princípio originado na primeira constituição, a Magna Carta, de 1215.[1]

Origens

Com objetivo de preservarem-se das ingerências do rei João Sem Terra, os barões impuseram ao monarca a promulgação de uma lei de terras que, dado o apelido do monarca ser Magnânimo João, passou à história como Magna Carta - na verdade uma lei sobre o direito às terras (per legem terrae).[1]

Reza o diploma medievo, em sua cláusula 39:

39. Nullus liber homo capiatur, vel imprisonetur, aut disseisiatur, aut utlagetur, aut exuletur, aut aliquo modo destruatur, nec super eum ibimus, nec super eum mittemus, nisi per legale judicium parium suorum vel per legem terre.

Magna Carta[2]

Numa tradução livre: Nenhum homem livre será capturado, ou levado prisioneiro, ou privado dos bens, ou exilado, ou de qualquer modo destruído, e nunca usaremos da força contra ele, e nunca mandaremos que outros o façam, salvo em processo legal por seus pares ou de acordo com as leis da terra." (grifamos)

Numa tradução posterior para o inglês, de origem desconhecida, o copista consignou pela primeira vez a expressão due process of law no lugar de "per legem terrae".[1]

No mesmo artigo 39 tem-se a instituição do tribunal do júri (o julgamento por seus pares) e a Carta Magna tornou-se uma garantia não apenas para os nobres, como para a burguesia. Sua violação gerou revoltas, como em 1258 contra Henrique III, ao qual foram impostos os chamados Estatutos de Oxford, num progresso das limitações do arbítrio dos soberanos.[3]

Construção doutrinária e jurídica

O preceito do devido processo legal evoluiu e passou por adaptações aos momentos históricos, como registra o jurista brasileiro, San Tiago Dantas: “Essa compreensão do ‘due process of law’, como restrição ao arbítrio do Legislativo, atinge a maturação doutrinária na mesma época em que o princípio se incorpora às restrições feitas ao Poder dos Estados, [..] nesse mesmo ano Cooley publica o seu Tratado sobre as limitações constitucionais do Poder Legislativo, e daí por diante a doutrina e a jurisprudência se conciliam numa afirmação que, fixando o sentido do instituto, não lhe impedirá, entretanto, a constante transformação e adaptação às condições históricas.”[4]

O preceito de cunho constitucional, desta forma, adapta-se como garantia não somente pessoal, mas também coletiva, extravasando a esfera de abrangência original e adaptando-se aos diversos ramos do direito, como o administrativo, civil, etc., além do penal.[4]

Sua abrangência, assim, avança sobre o próprio poder legislativo do Estado, como uma restrição imposta ao próprio ato de se fazer uma lei, podendo ser então denominado devido processo legislativo.[5]

No Brasil

A Constituição brasileira de 1988 traz a garantia exarada no seu Artigo 5º, que trata das garantias e direito individuais. Seu inciso LIV expressa a essência do due process, e o inciso LV surge como seu corolário (ou desdobramento)[4] :

"Art. 5º - (...)
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
LV – aos litigantes em processo judicial e administrativo, e aos acusados em geral, serão assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios de recurso a ela inerentes."

O Supremo Tribunal Federal decidiu em alguns recursos extraordinários que o devido processo legal também se aplica às relações privadas, especificamente para garantir a ampla defesa em procedimentos de exclusão de associados dos quadros de entidades privadas.[6][7]

Referências